“O comunismo não funciona”?

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– “Socialismo, comunismo, isso não funciona, só gera pobreza”.

Você já ouviu esse mantra. E sabe que reza alguma visa esclarecer, mas sim aliciar. Pra quê apelar para o cérebro, se o intestino produz resultados rápidos e pungentes?

Quando alguém acredita que o comunismo “não funciona”, é porque tem uma noção bem fantasiosa do que seja a sociedade: como se fosse uma coisa, ou melhor, uma outra coisa que os indivíduos associados – uma sociedade existente independente dos indivíduos, um “sistema” pairando sobre eles. Durkheim merecia ver isso!

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É preciso enfatizar isso: comunismo e capitalismo não são coisas, não são “modelos”, “sistemas”, esquemas, planejamentos de engenharia social ou anti-social; são, isso sim, formas históricas e distintas de associação entre indivíduos. Herdados e posteriormente reproduzidos por eles, são modos de organizarem entre si suas relações com a natureza, no intuito de, antes de tudo o mais, sobreviverem; ou seja, o trabalho, a divisão do trabalho, a divisão dos produtos do trabalho, a divisão das cacetadas nas cabeças etc.

Comunismo e capitalismo não são máquinas que deveriam funcionar e que devem ser rejeitados caso contrário, pois não são algo distinto dos indivíduos, um algo que “tem de funcionar”.

Também não estamos falando de formas de Estado, de regime político, governos etc. – aliás, assuntos que não devem ser pensados em termos funcionais, se é que funcionariam de qualquer jeito. Quer dizer, funcionam: especialmente quando parece que não. Alguma surpresa?

Estamos falando de pessoas vivendo suas vidas e o tempo todo em relação umas com as outras. Será que uma pessoa deve ser avaliada na medida em que “funciona”?

Trata-se de formas de sociabilidade, de um fazer-se cotidiano e entre todos os demais (Marx fala da vida prática de homens vivos e ativos); daí que a avaliação de uma forma social só pode ser realizada com seriedade se se levar em conta a sua história, suas entificações geográficas, suas relações econômicas e políticas internas e com as demais sociedades etc.

Ou seja: não nos preocupemos, por exemplo, em virar uma nova Venezuela ou Cuba. Isso só seria possível apagando tudo que faz o Brasil, a Venezuela e Cuba serem exatamente isso – Brasil, Venezuela e Cuba. Nem um jogador de WAR pensa de maneira tão… tabular.

Se as tentativas (supondo que realmente as foram) dos países ditos socialistas do século XX em transformar a sociedade naufragaram, não é porque os planos de Marx estavam errados. Primeiro, porque Marx não tinha tais planos; e depois, porque esses países existiam na realidade e não na fantasia ou num projeto matematicamente calculado.

Aqui o “comunismo” deve deixar de ser uma abstração e o assunto deve passar a ser “o que deu errado com a URSS?”. O problema na verdade não é porque a URSS desmoronou após 70 anos e status de superpotência, mas sim “como durou tanto?”. E aí devemos entender o que foi que transformou a república revolucionária dos sovietes em um comitê peçonhento de burocratas – que elevaram o Estado e as razões de Estado acima da razão e da revolução, tal como acontece sob qualquer outro Estado, e fizeram da URSS o maior inimigo da luta dos trabalhadores, onde quer que estivessem avançando na derrubada da sociedade e do Estado burgueses. Mas isso é assunto para outra ocasião.


Vale a pena uma breve nota sob o cenário em que a falência da empreitada comunista no mundo dos negócios é cantada em oratório.

A direita faz uma campanha incansável para reverter, a ponto de transubstanciar à completa inversão, a imagem que a população tem dela. E isso com a inteligência de um plâncton e a honestidade de uma hiena! Deu certo: sabem que consciência mítica se cultiva com mantras e Goebbels ad nauseam.

E que ótimo que ela voltou ao poder! Pois parece que uns e outros por aí se esqueceram o que é a democracia, a política, o que é e o que quer o poder político: o jogo da burguesia em seu próprio estádio.

Claro que a mídia vai continuar dando, ou vendendo, aquela forcinha; e as redes sociais, como boas chupadoras “críticas” da cloaca da imprensa que são, vão seguir cotidianamente regurgitando esses despautérios para nos fazer acreditar que a esquerda é que merece ser desqualificada das formas mais aviltantes.

Será mesmo preciso explicar – toda hora – que o fato de Lula e Dilma não serem traficantes de cocaína, nióbio e órgãos humanos não significa que o PT é de esquerda? Se você chegar a tocar no assunto em questão – a “função comunista” da sociedade -, já pode comemorar uma vitória.

Ou então, é preciso compreender porque o discurso colou. O PT é a esquerda brasileira, muito parecida com as esquerdas alhures, e é preciso derrotá-la em um processo que acabe com sua razão de existir, a propriedade privada e seus mordomos e soldados.

Mas, se não for possível furar a bolha mitológica, lembre-se: não se discute num fórum visando apenas o interlocutor. Aliás, por ele deveríamos já estar no bar tomando um suco de cevada.

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Cf. também os textos O que foi que deu errado?, O comunismo hobbesiano da direita e Inveja esquerdista contra os bem-sucedidos?

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engenharia social

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