“Eu não aceito religião na minha aldeia”, ou: como a religião atenta contra a comunidade

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Religião é um tipo especial de ideologia e política, talvez o mais fundamental na transformação de uma criança em um indivíduo moderno.

Assim como a propriedade privada, o Estado, o mercado, o Direito etc., a religião não nasce na era capitalista. Aliás, o capitalismo nada mais é que o resultado, e posteriormente o meio de reprodução, do enredamento social dessas categorias herdadas da antiguidade e do feudalismo numa ampla, profunda e cancerosa, mas de “funcionalidade” historicamente inédita e sempre renovada, organicidade social – no interior da qual as velhas categorias chegam num estágio de plena (ou avançada) maturidade, quando finalmente escancaram tudo aquilo a que vieram.

É facílimo constatar que essas categorias, ainda que cada uma a seu modo, mas sempre articuladas, ao mesmo tempo que prometem civilidade, cidadania, igualdade, direitos, amor, comunhão e salvação, cá e depois no nada, reforçam nos indivíduos o egoísmo, a tara, a desconfiança, a hostilidade, o ódio, a violência e o distanciamento de um perante o outro; donde consolidam, pois, a formação das classes sociais em seu antagonismo puro, moderno.

Nenhuma delas, entretanto, pretende e permite de forma tão direta, declarada e desejada a introjeção, no indivíduo, do estranhamento entre o psíquico e o somático, o primeiro declarado divino e o segundo como lugar do pecado. E é como se tivesse sido maquinada para que, milênios depois, a concorrência mercantil e a alienação do trabalho não apenas nos parecessem algo familiar [(erguidas sobre o restolho do ethos comunitário, tornado esgarçado e impotente, rompido na aurora do mercado mundial e exigindo a emergência histórica do Estado moderno e seu aparato de força para o uso da violência em lugar da autonomia e responsabilidade dos indivíduos, com o que espera poder preencher o vazio da moral para sempre perdida; porém, não mais para servir de parâmetro das interações, e sim o contrário, conter o barril de pólvora da selva hobbesiana recém-nascida e para sempre posta sob pressão da radical cisão social e intra-individual. O homem-fragmento vivendo pedaços é a mais completa evidência do porquê a decadência da modernidade ter sido inevitável, a ponto de chegar no abismo dos séculos XX e XXI)], mas se tornassem a própria substância e referência da (de)formação da individualidade do homem moderno.

Mas, se uma criança é vulnerável e facilmente se dispõe a aceitar o enjeitamento dos pais et caterva, e portanto acreditar em qualquer tolice, não tendo como perceber seu próprio embrutecimento, diante de um povo em que os indivíduos constróem suas personalidades por sobre as referências que sua cultura, seus rituais, suas artes e seus mitos lhes fornecem há incontáveis gerações se torna óbvio que a religião é um capricho particular daquele grupo e indivíduo que a afirmam, e que seu único atestado de verdade, autoridade, realidade, moralidade etc. provém dela mesma e nem um pingo vindo de fora pode afiançá-la. Donde ateus e índios serem mais odiados que os fiéis de um Estado Islâmico, etc. Pois quem tem olho sabe que o rei é um trouxa, mas em terra de cegos, quem tem olho é aleijado.

Pra bom leitor, a religião é mais que uma ideologia, é um estupro ideológico; mais que uma política, é guerra genocida. A imposição consciente e deliberada de uma moral invertida, mas que ainda assim se gaba de sua presunçosa moralidade. Se isso depois vira darktube de pedofilia atrás dos altares e debaixo das batinas, por que deveríamos ficar surpresos? 

FORA TODA E QUALQUER RELIGIÃO do cotidiano humano, especialmente dos que vivem na saúde de não se escravizar na estupidez da fé!

 

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PS.: É preciso lembrar aos apressados: não existe religião indígena! Em primeiríssimo lugar, porque não tem escritura, mas é cultura oral, popular, que não exige fé nem combate cego aos concorrentes. É mitologia viva, e não seu cadáver encadernado; e por isso tudo não tem instituição, hierarquia, exército, banco, políticos e juízes na lista do off-shore e videos na deepweb.

 

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Cf. a entrevista de Arassari Pataxó no link: “eu não aceito religião na minha aldeia”

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O índio Arassari Pataxó esteve na Europa para alertar a comunidade internacional sobre a situação de seu povo.
“Eu não aceito religião na minha aldeia”, diz Pataxó sobre evangélicos

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