O dever de julgar e ser julgado

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Quem diz que não devemos julgar os outros – e, no limite, nada devemos julgar -, julga que o ato de julgar é negativo e, principalmente, julga que quem soprou essa idéia em suas orelhas merece crédito.

Julga que só Deus pode se entreter com julgamentos. Atenção, juízes!

Com base nesses julgamentos, julga que os que julgam merecem ser advertidos com a palavra divina: “não julgueis”.

Não julga, porém, que deve assumir o fato de que julga.

E que deve atentar para a impossibilidade de uma moral em que os indivíduos não julguem uns aos outros; e que sem a força do julgamento, só resta o julgamento da força.

Ao inverso dessa idéia absurdamente contrária à vida real – pois é uma idéia religiosa -, deve notar que é perfeitamente racional e saudável julgar.

Que é autenticamente moral, praticamente necessário e ontologicamente vital (*) que julguemos tudo e todos a todo instante.

Essa auto-engalobação de um “dever de não julgar” é coisa de quem leu a Bíblia e não virou ateu.

(Tem também aquele que prefere agir como quem está imune ao julgamento humano, e acredita na infinita misericórdia, condescendência ou inocência de Deus.)

Pior pra ele: julga que a imoralidade religiosa é a verdadeira moral, que castiga o corpo por este julgar o mundo, as pessoas e as coisas por meio de desejos e temores; e que julga dever a alma ser tão vazia e pobre quanto julga ser o que a faz merecedora do reino dos céus, ao qual julga ser paradisíaco.

Sobre isso, julga ser melhor não pensar, pois julga a razão uma faculdade diabólica, enquanto julga ser a fé uma virtude.

Donde não haver motivos para julgarmos surpreendente um tal montante de contradições em uma só cabeça. Basta constatar que o sujeito pensa tudo de cabeça pra baixo; e quem julgá-lo irracional pode julgar a opinião contrária como falsa, da forma mais tranquila possível.

Há julgamentos e julgamentos. É óbvio que as pessoas julgam as coisas de formas diferentes. “Diferente” significa, entre outras coisas ou acima delas, que um juízo pode ser melhor que o outro, ou mais adequado, mais isso ou aquilo e, também, que um pode ser verdadeiro e o outro, portanto, falso.

O que deve ser demonstrado, claro. Um juízo que apenas declara uma posição, mas não dá nenhuma razão sobre a qual se sustenta, é assunto de conversinha privada ou técnica de fazer boi dormir: merece tanta atenção quanto o Deus que nos espiona a partir da imaginação adubada com esterco mitológico.


(*) Ok, a expressão força a barra, mas não estamos num auditório da faculdade e muito menos num tribunal. Julguem como quiserem…

 

juízes de toga são bons em julgar as oportunidades

 

2 comentários sobre “O dever de julgar e ser julgado

  1. Judiciário só é o que é por causa de leis de viés conservador, liberal e patrimonialista. Como a lei da magistratura (loman), estatutos da oab, ministerio publico, lindb, decreto 200, leis administrativas em geral, e etc.

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