Aguardando a direita assumir o governo

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Cansei desse negócio de direita brincando de assumir o grêmio da creche.

Eu quero que Bolsonaro bata muita continência à bandeira dos EUA,

e mande os alunos baterem em professores,

aproveitando que a Taurus faz negócios com o ministério do colombiano,

e que o MEC coloque os jovens pra estudar a Bíblia e decorar o hino enquanto queimam livros de biologia e história,

sob a proteção de escritórios da virtude e seus rifles falsificados,

ouvindo intelectualóide conservador-liberal choramingar que não comeu ninguém,

e que depois de seguirem a metodologia do kit cu-e-buceta de Alexandre Frota em defesa da família via homescholling, os pais sejam levados à castração química como método pra derrotar o marxismo cultural,

pois se é Bayer é bom, que nem agente laranja,

e até a maconha será da Monsanto,

e que o Arnesto venda muita soja americana pra China,

e que o Posto Ipiranga embolse tudo que puder vender e faça o povo pagar pela entrega do resto,

enquanto os três filhos entram num combate de diádocos com retardo mental,

e a Folha empresta umas Kombis pro Luciano Huck levar haitianos, bolivianos e argentinos ao porão da moda,

enquanto soldados brasileiros aquecem o mercado funerário em Roraima,

ao tentar salvar o petróleo oprimido pelos AK-47 de Maduro, no esforço de prestar ajuda humanitária aos cofres dos EUA,

e que, então, novos Brumadinhos desapareçam com as reservas indígenas e matem os rios que estão cheios de nióbio sob o leito,

e que a soja transforme a Amazônia em um puta estacionamento,

e que os militares dêem golpes entre si nos intervalos de cada remessa de gente pro DOPS pra brincar de Jesus na cruz,

e que trancafiem os ministros do STF numa masmorra e matem o Lula,

e que os ministros do governo mandem matar os outros ministros do governo,

e que o Congresso instale roletas, caça-níqueis, bingo, distribua canudos e escamas e decore seus plenários com muitas pole dancers,

enquanto um Bragança pratica esgrima com as nádegas de suas mucamas,

montado sobre um negro que garante ser a Monarquia o único modo de salvar a Família Real do Império de Petrópolis e Vassouras,

e Olavo de Carvalho ganhe assento na Academia Brasileira de Letras, ao lado do Sarney,

mas só depois do Paulo Coelho, c’est la vie,

e se faça justiça no campo por meio de jagunços fuzilando o MST e destruindo a pequena agricultura que abastece o mercado interno,

e que uma bala perdida encontre a si mesma furando o olho da sua mãe,

que votou na privatização da polícia por mais segurança,

e que os católicos e o restolho religioso aproveitem as novas armas da fé e reeditem a Noite de São Bartolomeu por todo o país,

e que o Banco Central exija flexibilidade na regulamentação do tráfico de órgãos humanos,

com o dinheiro que a Unimed suga de você,

depois que a agência financeira de sua previdência privada usou seu dinheiro para se reinstalar em outro país,

sem ter como ajudar sua mãe a pagar uns juros do rolamento da pedalada da amortização e tals do crédito Itaú, senão vendendo o outro olho,

e que os olhos do Mossad, CIA, NSA, Google e Facebook invadam cada lar e cada intimidade e façam muito dinheiro com nossas vidas privadas,

e nos acusem de sermos comunistas, o que não era nenhum segredo,

e que os jornais, a TV e a internet inventem as maiores mentiras sobre a conduta das pessoas e publiquem até chegar o sábado, quando os linchamentos transformarão os bandidos expiatórios em espaço pra publicidade no programa dominical que sorteará os próximos bandidos,

enquanto os padres estupram as crianças e os pastores roubam as cuecas dos fiéis,

durante o sermão em que nos imputam a causa de toda essa desgraça,

pra depois o dízimo bancar uma milícia religiosa com porte de automáticas,

e os presídios PPP funcionando na base do lucro,

pois a violência que você sofre é o nosso negócio,

e também o que sobrar quando a polícia fizer safári urbano ao se deparar com a criançada portando livros na rua,

e que o muro de Trump, por fim, cerque a Faixa de Gaza brasileira e mate todo aquele que tentar voltar pra casa,

e que o Brasil cumpra seu destino e ideal de nação e seja terminantemente destruído.

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Pode ser que, então, esse tipo de política volte a ficar tão cheio de moral quanto ficou no fim da ditadura, ou mais.

E a direita volte a ser o que é: uma ignomínia que só merece nojo, desprezo e ânsias de vômito.

Senão, vai demorar sair desse abismo em que saltitamos serelepes.

Já não foi incrível ver tanta gente duvidando que merda fosse merda? Fizeram a crítica e finalmente encheram a boca de merda. Agora ficam gritando de boca cheia e cuspindo a merda em nossa cara, pra dizer que ainda estão avaliando se a merda é mesmo uma merda.

Empirismo que faz a crítica nascida ontem. Espero que tenha bastante o que comer e avaliar.

E que, depois de termos dado esses dois passos pra trás, tenhamos ao menos um pra dar pra frente,

apesar de não termos pernas.

Sejamos otimistas.

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Marighella, o herói brasileiro e a ditadura do proletariado

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Não sou maoísta, não creio que a guerrilha seja revolucionária. Mas eu não estou em pauta.

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Marighella foi um herói brasileiro.

Guerrilheiro. Terrorista não.

Na Alemanha Ocidental houve um grupo de estudantes esquerdistas que praticou o terrorismo e demonstrou, na própria desgraça, o que já se sabia desde muito antes: terrorismo não angaria a população.

Quem praticou terrorismo no Brasil?

Os militares.

Eles são os terroristas, assassinos, torturadores, com o poder de Estado nas mãos e com as armas do Estado.

Nunca foi segredo, aliás eles admitem abertamente.

Terrorista é esse monte de bosta sobre duas patas na presidência da república hoje.

No entanto, os canalhas querem imputar à esquerda o que a direita fez e ainda faz.

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Marighella é um herói brasileiro.

Triste é o povo que precisa de heróis.

Ele defendia a implantação de uma ditadura?

A ditadura do proletariado?

Bravo! Realizemos a ditadura do proletariado.

Viva a ditadura do proletariado!

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Se você confunde a ditadura do proletariado com a ditadura de um grupo de empresários e seus cãezinhos de farda, é porque não entendeu o que se diz, apesar de estar em português e estar na sua cara, na expressão “ditadura do proletariado”.

Porque presta atenção no termo “ditadura”, crente que a democracia é outra coisa que a ditadura do capital, e não percebe que estamos falando de uma ditadura, isto é, um regime político, de uma CLASSE SOCIAL – não mais a burguesa; simplesmente não tem paralelo com nenhuma aventura de usurpadores fardados e/ou engravatados.

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A propósito da “esquerda que defendia uma outra ditadura” nos anos da ditadura militar, e especialmente para os que têm horror a ditaduras, exceto quando elas oferecem orangotangos para lhes enfiar um coturno na boca, segue no link abaixo um texto escrito às vésperas da marmelada democrática que derrubou o governo Dilma, mas nem por isso um texto datado:

Ditadura do Proletariado?

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A doutrina do “Partido Sem Escola”

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Hoje um aluno meu escreveu em sua prova: “Escola Sem Partido já”.

Eu não sei o que leva alguém que é a favor da escola privada estudar em uma escola pública; mas estou certo que este caso mostra que às vezes a melhor escolha é afrontar a própria opinião – em prol de uma educação de qualidade e do abandono de preconceitos pueris comprados na esquina.

Entretanto, já nos encontramos no final do semestre e ainda vemos que certas opiniões insistem em se agarrar ao cérebro, tais como vampiros que se alimentam dos mais teimosos afetos.

 

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O que é, pois, a “Escola Sem Partido”?

Ao contrário do que diz ser, a “Escola Sem Partido” tem partido, sim: o “Partido Sem Escola”.

Trata-se de um projeto que consta do programa político do partido do presidente recém-eleito e de seus partidos aliados.

Portanto, a “Escola Sem Partido” não só tem partido, como tem mais de um.

 

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A “Escola Sem Partido” diz pretender combater o que identifica como “doutrinação” de alunos por professores.

Essa “doutrinação” é possível e acontece porque os alunos são passivos e vulneráveis.

Tal “doutrinação” é própria do que classificam, de acordo com parâmetros peculiaríssimos, como “pensamento marxista”.

O marxismo não possui a imparcialidade que a educação, dizem, deveria almejar; e, assim, é passível de ser caracterizado como “doutrina ideológica”.

Além disso, o marxismo quer “destruir a família” transformando as crianças em estéreis homossexuais através de sua “ideologia de gênero”. Os honrados varões da “Escola Sem Partido” temem que “se todos se tornarem gays, não haverá mais humanidade”. O que é mesmo que temem?

A “doutrinação marxista”, por fim, é culturalmente disseminada, de modo que há uma parcela enorme de professores marxistas nas escolas.

 

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Em primeiro lugar, é notável o uso pejorativo do termo “doutrinação” pelos partidários da “Escola Sem Partido”: pois ao seu redor gravitam pessoas e instituições que tomam partido de bandeiras religiosas.

Donde a “doutrinação” que combatem é apenas aquela que divergir da “verdadeira doutrina”. Como na religião, as teologias alheias são apenas formas de idolatria satânica e ignorância da verdadeira Verdade.

Doutrinação da Verdade “de verdade”, somente a dos partidários da “Escola Sem Partido”; do contrário, temos doutrinação “ideológica”, “marxista”, “parcial”.

Mas em que medida pode existir uma pura imparcialidade, um puro desinteresse social e político no saber? Em que medida essa suposta neutralidade social e política, ela sim, não seria apenas uma ficção para uso doutrinário e abuso político?

De forma ingênua ou, ao contrário, maliciosa, trata-se de fazer alguém acreditar que a proposta não possui “qualquer espécie de vinculação política, ideológica ou partidária”; como quem pretende que suas “idéias” ou, em termos mais concretos, seu posicionamento político, ideológico e doutrinário se situe acima das questões em debate na sociedade, acima dos conflitos e das lutas, acima dos antagonismos de interesses que estão postos pela própria situação dos indivíduos na relação social travada em torno da reprodução da sociedade.

Trata-se de nos fazer acreditar que seu discurso não seja ideológico, quando na verdade o é totalmente; que não seja político, quando o é integralmente; que não seja partidário, quando, mesmo que não estivesse (mas está) vinculado a nenhum partido específico, toma partido nas questões sociais.

Ao contrário dessa proposta de nivelamento do pensamento, aquele que toma partido de uma posição político-ideológica (o que não é o mesmo que vender o peixe de um partido político) se põe a participar de um debate, onde coloca argumentações, faz e ouve críticas.

Impedir que o professor tome partido é pretender um educador que não assume o que pensa e se coloca sobre o muro a respeito de questões que exigem uma posição, inclusive por uma questão moral.

Ou será realmente imparcial, desejável, saudável e ética a posição que se pretenda neutra frente ao fato histórico da escravidão no Brasil?

 

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A escola é lugar da filosofia e da ciência e, portanto, da pluralidade de idéias e de seu confronto, por meio do debate, da argumentação e da crítica. Doutrinação, ao contrário, é o que se faz na religião; e aí, não apenas nada se discute, mas se deve aceitar sem contestações e protestos a doutrina mais parcial possível, ainda que se afirme universal.

Se observarmos o que de fato ocorre nas escolas, fica fácil de perceber que professores que criticam e/ou deturpam Marx, o socialismo, o comunismo e demais alvos da “anti-doutrinação” não estão na exceção, mas são sim a regra, enquanto defendem a ideologia do empreendedorismo da venda de balas no sinal em direção ao futuro e certeiro cargo de executivo numa multinacional.

Além disso, principalmente as escolas “livres” – ou seja, privadas – sempre tomaram partido político, ideológico e religioso; enquanto as escolas públicas, principal alvo dos partidários da “Escola Sem Partido”, são laicas e prezam pela diversidade.

Ora, a “Escola Sem Partido” não apenas age politicamente em prol da doutrinação religiosa de professores e alunos, mas também toma partido pela privatização da educação.

 

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E os alunos?

E se “nossos intocáveis filhos” quiserem entrar para o PT? Ou para uma religião qualquer? Ou ter “orgulho” de serem brancos, brasileiros, héteros etc. (coisas nas quais a persistência certamente exige muito esforço)?

Ora, não cabe a ninguém bancar o paradoxal “anti-doutrinador” que lhes descerá goelas abaixo uma “doutrina da emancipação”. Que sigam o que lhes der na telha e errem por conta própria, pois nada pode ser mais contrário ao aprendizado e ao exercício de alguma liberdade e autonomia que esse discurso da “defesa de meu filho”.

A idéia de que haja ou possa haver essa tal “doutrinação” dos alunos por parte dos professores pressupõe

  1. que os alunos recebam passivamente aquilo que os professores dizem em aula, como numa espécie de “lavagem cerebral” em laboratório, o que só existe em ficções das mais tolas;
  2. que o próprio mundo humano não esteja permeado por idéias políticas, vindas de todos os lugares, e bem mais dos meios de comunicação (incluindo blogs, whatsapp, youtube etc.) do que da escola (mas quem proíbe os filhos de assistir à TV, acessar a internet e sair do quarto?);
  3. que o caráter político e ideológico dos assuntos que um professor aborda em sala de aula seja necessariamente danoso à formação cidadã do aluno;
  4. que tal caráter político e ideológico não esteja presente também na metodologia de ensino, e que haja assuntos, áreas e conteúdos ideológica e politicamente neutros.

 

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Ao contrário do que reza a “Escola Sem Partido”, ser “doutrinado” por uma ideologia ou muitas, bem como pela crítica às ideologias, não apenas é inevitável, como também faz parte da formação para a vida em sociedade.

“Defender” o filho contra as ideologias é pretender afastá-lo do próprio mundo, encerrando-o numa bolha contra tudo que o mundo lhe traz, o tempo todo, de ideologias e informações.

Isso sim é deletério. Não é meio de defender ninguém, mas sim de promover o atrofiamento de todos os aspectos de um indivíduo.

O desenvolvimento de uma consciência crítica não passa por se colocar à distância das ideologias, mas pelo saber que elas existem, porquê elas estão aí e o que elas dizem, para que o indivíduo possa formar uma posição própria a respeito delas. E isso vai acontecer de um jeito ou de outro, independente das intenções doutrinárias dos pais e dos professores.

Não devemos “respeitar” o conteúdo de uma ideologia, como se isso fosse o mesmo que respeitar o indivíduo que as abraça. Tudo pode e deve ser colocado em discussão. E nesse processo, por vezes mais lento e contraditório que gostaríamos que fosse, o indivíduo vai lapidar o seu próprio posicionamento. Tal como estamos fazendo neste exato instante, e ao longo de nossas vidas, sempre.

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A verdadeira doutrina é somente a do “Partido Sem Escola”

 

 

A esquerda que a direita odeia

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Desde que existe sociedade burguesa existe Estado, e tudo vira mercadoria; donde o Estado sempre ter sido privatizado como alavanca do capital, enquanto vende, via impostos, seus precários serviços universais para o público – desde a sustentação da concorrência do mercado até a promoção e manutenção da funcionalidade, e posterior descarte, dos trabalhadores, nas coxas ou na bala.

De acordo com as necessidades e a avareza do capital, o Estado intervém mais ou menos diretamente na economia, sempre contra os concorrentes de seus financiadores e a favor dos setores e oligo/monopólios (democracia/ditadura) que o financiam – os assim chamados “corporativistas”, ninguém menos que os capitalistas que venceram a competição e compraram o Estado para galgar posições no ranking nacional e internacional da concorrência.

Significa que a universalidade do Estado nunca foi mais que o disfarce de sua particularidade, e que nunca há concorrência sem vencedor; donde a fantasia de um mercado “livre” ser própria daqueles que perderam a guerra comercial, ao mesmo tempo que a insistência no caráter público dos interesses que o Estado deveria atender constitui a ficção e a má-fé da social-democracia, que compõe 99% da esquerda – mais afeita às doutrinas de Hannah Arendt, Foucault, Habermas etc. que às críticas de Marx.

Na eventualidade da economia dominada por oligopólios, a democracia abre disputa para o controle do Estado às representações políticas dos setores do capital, à direita e à esquerda; não para fazer a universalidade de seus discursos políticos tomar o timão do Estado, e sim para abrir aos capitais que representam o acesso ao aparato material (“dinheiro público”) do Estado.

O que a direita e a esquerda portanto disputam, entre si e para si, não é a direção da sociedade ou o usufruto do poder material do Estado, mas o cargo de mordomo dos capitais ao quais o Estado será servido; quando não disputam lugar no mercado ideológico do perdedor maior, o cargo notório de inimigo público da sociedade; que, no mundo da inversão de tudo, equivale a ser nada menos que o porta-voz dos interesses da sociedade, algo perfeitamente vantajoso para formar seus currais eleitorais.

As eleições são o mecanismo com que a direita e a esquerda desmobilizam e afastam as demandas por mudanças efetivas da vida cotidiana – que permitam a resolução dos problemas de uma sociedade corrompida pela mercantilização dos laços e relações entre os indivíduos -, em troca da gerência e perpetuação de tais males, nas coxas e na bala, rumo ao abismo que tal descaminho descortina no horizonte.

Não é por outra razão que a razão de ser da política, a defesa da propriedade privada, que toda a filosofia política, desde Platão até os contemporâneos mortos-vivos e atuantes, coloca como problema central da política a tarefa de evitar, desmantelar e afogar as revoluções. Temos nas jornadas de 2013 um exemplo histórico recente em que as forças políticas se prestaram a salvar o cassino institucional com todo zelo: vimos a esquerda trocar a disputa da direção da revolução pela defesa do governo Dilma, enquanto a direita convocou o protesto a sair das ruas e se dirigir às urnas, sendo bem sucedida em esvaziar as primeiras e vencer nas segundas.

Importa notar, e agir de acordo com isso, que a esquerda se recusou a assumir o papel de representação dos trabalhadores e fracassou como representante do capital. Enquanto isso não acontece, caminhamos para a continuidade da crise, legitimando as instituições e seus paliativos que, agora, não conseguem mais que apenas agravá-la.

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A tese de que a esquerda abandonou o “trabalho de base” devia servir para a esquerda perceber que precisa fazer “trabalho interno de base” junto à própria esquerda, trabalho teórico de esquerda, formação de militância, antes de buscar dialogar com os trabalhadores – que aliás ela só não dispensa na hora de angariar seu gado eleitoral.

Afinal, qual é a esquerda que a direita odeia? É a esquerda que faz o que a direita se propõe, mas ainda sabota o movimento dos trabalhadores, frauda eleições sindicais, sufoca as greves e negocia suas rifas com o patronato; ou seja, ganha da direita na disputa pela subserviência à burguesia.

Com uma esquerda dessas, o Brasil não precisa de direita; mas como a direita não está mais encastelada nos gabinetes, é ela que está fazendo “trabalho de base” junto aos trabalhadores, o único trabalho que a esquerda devia fazer e jamais abandonar.

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Diante de uma greve, a esquerda brasileira é incapaz de perceber que, como em toda forma de sublevação, é tudo uma questão de quem está vencendo a disputa pela direção.

Mas ela é a esquerda que não disputa movimento – porque acha que movimento tem dono. Por exemplo, na paralisação dos caminhoneiros em maio de 2018, preferiu alegar que havia “dedo de empresário nessa greve”; pior, que se tratava de “um locaute para impedir a realização das eleições”.

Quando politicamente derrotada, reclama que “a democracia sofreu um golpe”; mas tão logo os trabalhadores saem à luta, ela tenta desqualificá-los e se torna, mais uma vez e com desenvoltura, uma esquerda governista, ainda que sem governo.

Como se a questão não fosse muito mais profunda e importante e que será pauta do programa de todos os candidatos a presidente ou a ditador.

Óbvio que teria dedo de empresário nisso, quando é que não tem? Quando é que a direita ficou assistindo greve pela televisão ao invés de tentar mudar a direção do movimento? Quem fica chupando dedo é quem acredita que a greve é, a priori, dos empresários, e que só resta enxovalhar os grevistas na internet, chamando-os de “massa de manobra” etc., com que esses esquerdistas de pijama atiram no que resta das próprias pernas.

Ex-querda que se deleita em denunciar a pauta da greve, sem notar que quem vence a disputa pela direção – de que ela abriu mão – elabora a estratégia e delineia as táticas.

Tal como ocorreu nas jornadas de 2013 – que tinham, a princípio, uma “direção popular”, ou seja, não tinham direção. Quem assumiu a direção foi quem disputou.

Depois que a direita assume a direção de ambas as coisas e dá o tom dos atos, não adianta absolutamente nada ficar choramingando e dizendo que se tornaram “movimentos de direita”. Óbvio! A esquerda, perplexa, não fez mais que desconfiar e se afastar dos trabalhadores, ao invés de intervir.

Facilitou pra direita a tal ponto que não custou nada a esta. Aliás, a esquerda jogou os trabalhadores em seu colo. Isso produziu um retrocesso que, isso sim, vai custar anos pra recuperar. Se é que vai.

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Pois o que temos no Brasil é uma esquerda pueril, totalmente dependente, moral e intelectualmente, do “homem da casa”, o maridão PT. Ex-querda que certamente não é aquela que a direita apreciaria como interlocutora ou mais (se a direita fosse capaz de apreciações e estivesse interessada em emitir outra coisa que grunhidos), pois nada possui de apreciável; mas é a esquerda que se aliou à direita.

A mesma que acusa sua fração menor – que não se aliou – de ser “a esquerda que a direita gosta”. Mas o que é ser do gosto do inimigo diante do ato de lamber-lhe as solas? Antes ser a esquerda que a direita gosta que ser a esquerda que gosta da direita.

Uns anos atrás, o drama era que a esquerda virava direita, enquanto a direita virava traficante de órgãos humanos, nióbio etc., donde até uma Kátia Abreu passava como esquerdista. Hoje a direita é governo (bem-vindo à democracia, se é que você ainda não percebeu o que isso significa), e a esquerda fica dando comidinha pro “fascista que mora dentro”, se achando o supra-sumo do combate à opressão ao mesmo tempo que lhe faz declarações de amor aos relinchos. Não se pauta apenas pelas pautas da direita, mas faz marketing e militância “reversos” para ela, acreditando que há qualquer esquerdismo nisso. Não é só a esquerda que a burguesia gosta, é a esquerda que gosta de apanhar da burguesia.

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É triste, mas é preciso reconhecer: todo esse entulho religioso partidário-“social” conhecido no Brasil como “a esquerda” se esforça tremendamente em ser tão vil, subserviente, mentiroso e humanamente inútil como a direita é.

E até isso é jogo que a esquerda sempre perde.

Porque é uma esquerda que sonha em ganhar disputas na arena da burguesia. É uma esquerda política, tanto mais política quanto mais anti-social e anti-socialista, ainda que se auto-engane com os vocábulos dos revolucionários de 1848, 1871 e 1917, enquanto ignora e despreza o significado deles; a partir do qual forma uma militância sub-fundamentalista – pois se o pastor serve pra alguma coisa, é para dispensar os fiéis do trabalho de se haver com uma literatura densa e maçante; e assim é que a doutrina se torna tanto mais eficiente quanto mais fast food. É a militância da “gota de prática muito mais importante que toneladas de teoria” levada às últimas e mais consequentes coerências.

Ora, se a proposta é lubrificar o reto dos trabalhadores para permitir que “o país cresça”, então é melhor abandonar logo esse papo de socialismo, que ninguém sabe mesmo o que é e nem quer saber, e virar uma neodireita a prometer uma “nova política” mais velha que Péricles, aproveitando que a direita virou uma máfia.

Falta só combinar com os yankees. Mas, como consolo vibratório, pelo menos o papel de perdedor as esquerdas sempre ganham.

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Temos de construir a luta desde o zero, ou abaixo disso, já que é preciso remover antes o vírus petista/cutista da pelegagem e sabotagem.

Uma das coisas que vale a pena refletir é se devemos reivindicar ainda o termo “esquerda” para caracterizar a defesa dos interesses dos trabalhadores.

Dialogar com os trabalhadores usando o discurso e o palavreado da política é querer cair na provável remissão a tudo que a política é e encerra.

Ou seja, se dizer de “esquerda” é se apresentar imediatamente, aos olhos do “cidadão comum”, como esteio dos mais torpes decalques: petista, stalinista, mafioso de sindicato (i.é., cutista), pelego traidor da base, social-democrata lambe-bola de banqueiro etc.

Pois o que é a esquerda, na sua quase integridade, senão exatamente isso?

Quando os neófitos dizem que não existe mais esquerda ou direita, ou que são a mesma coisa, devíamos ser menos bobos e parar de pensar “eis um marionete de direita”.

Inclusive porque a percepção popular de que há algo de podre no cassino institucional é bem antiga e perfeitamente condizente com a realidade. Só mesmo os republicanos, os politólatras, identificam isso a uma espécie de reacionarismo, um perigo potencialmente fascista etc. São cognitiva e/ou moralmente incapazes de admitir que o ranço plebeu à política provém de um senso de realismo autenticamente humanista.

E a esquerda é, primeiramente, um dos lados do gradiente político, muito antes de caracterizar uma posição “metapolítica”, revolucionária.

Não adianta querer convencer as pessoas que a esquerda é, ou deve ser, outra coisa que o profundamente arraigado, não casualmente, no entendimento comum.

Marx se recusou a usar o termo “socialismo” e adotou “comunismo” justamente por isso. Todas essas palavras estão hoje carregadas de um peso tal que ninguém vai topar ouvir uma aula de história que “esclareça” o que você ainda pretende começar a dizer, mas não vai.

Nomes são apenas nomes, e como roupas, devem ser substituídos quando encardidos e molambentos. O que importa é o que vestem, mas é preciso vestir-se de forma adequada.

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Confira também:

A hegemonia de um nominalismo às avessas nas discussões políticas

Uma nota acerca do MEDO ESQUERDISTA da revolução

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