Marxismo de cátedra: deturpar para “atualizar” Marx

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Todo aquele que defende um qualquer figurinha marxista ou pós-marxista célebre, do tipo “pensador importante” (leitor/intérprete/comentarista) de Marx [*], frequentemente faz suas apologias usando a noção tosca da cronologia enquanto determinante da veracidade ou utilidade (?) do pensamento, a partir da qual estabelece, por meio do próprio nariz, o momento em que a teoria fundante venceu seu prazo de validade e passou a demandar uma “renovação”. Donde o marketing se apresentar como algo assim: tal ou qual pensador “contribuiu” (com seus dejetos) para “atualizar” a teoria marxista, que por sua própria “dialética” se faz superada (!), bem como pelo fato do capitalismo ter “mudado” (apesar de continuar sendo o capitalismo) dos tempos de Marx pra cá.
 
Sim, hoje o capitalismo esconde Pokemons em telefones celulares, quando o século XIX mal conheceu o telefone fixo. Quanto à dialética, entenda-se a segte. fórmula: algo que está posto é negado, e o que é negado é negado de novo, e então resgata-se algo do algo que foi negado antes e mistura-se com o restolho do que foi negado de sua negação, e por fim tal negação da negação chega à etapa superior da “suprassunção” ou síntese de posição e negação. Agora, basta aplicar esse caixote na realidade (e também na teoria marxiana), e pronto: tudo se enquadra à conveniência da pouca inteligência.
 
Ao contrário dessa teologia mal travestida de materialismo, é preciso notar o seguinte: não há necessidade alguma de “modernizar” (ou pós-modernizar) Marx e escrever “O Capital versão século XXI” – mesmo que sob a pretensão legítima de ultrapassá-lo (se bem que o modus operandi habitual do mercado teorista é costurar calça filosófica de festa junina com retalhos de idéias alheias, selecionadas, arrancadas e rearranjadas na mais perfeita seriedade do puro arbítrio, o que compete no ranking dos best-sellers de ficção sofística com as “novas” teorias que se proclamam substitutas do marxismo) -, mas antes compreendê-lo.
 
Os referenciais filosóficos que Marx elaborou ao fazer a crítica da filosofia, da política e da economia política (isso que hoje se chama de “economia” quando se faz alusão ao aspecto teórico, e “capitalismo” quando se refere ao aspecto prático – eis aí uma mudança significativa…) ofereceriam um ganho de qualidade teórico e ideológico enorme para a esquerda, ao fornecerem parâmetros para análises de casos particulares com a consistência de sua perspectivação no contexto global e de sua avaliação quanto à maior ou menor aproximação do real por meio de constante trânsito crítico entre identificação ideal e prática social.
 
Precisamos, pois, conhecer tais referenciais marxianos, não para “aplicá-los” na realidade (o que nada mais é que uma noção idiota do que seja e pra que serve uma teoria) ou na circunstância específica de cada país, e sim para delinearmos as coordenadas do mapeamento que precisamos tracejar quando buscamos diagnosticar a situação própria do que pretendemos e necessitamos tornar nosso campo de ação; permitindo ainda reconhecermos em tal conjuntura, articulada com suas linhas de força históricas, as tendências de desdobramento dos fatos atuais, de modo a nos indicar quais devem ser as tarefas práticas a se cumprir para uma intervenção social efetiva.
 
Nada disso é preocupação de profissionais da irresponsabilidade ideológica e de fã-clubes da manipulação teórica. Estes não passarão, pois as imposturas afrontam a realidade prática e dela se afastam, só se mantendo em pé enquanto, por meio de pura e simplória soberba, convencem suas platéias de que escrevem certo por linhas tortas e conformadas.


 

* – a lista é infindável e serve de exemplo de como o trabalho teórico, em geral e via de regra (mui especialmente o acadêmico), é produzido com muito mais diletantismo que rigor, intentio recta e honestidade intelectual; afinal, o douto elucubrador tem de ser “original” pra poder ganhar alguma merreca em troca da atividade pensatória, já que esta ocupa um raquítico nicho onanista na divisão do trabalho.

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Artesanato para decorar sua edição do Capital

Dialética: motor das “etapas da história” no marxismo vulgar

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O capitalismo é o último e mais avançado tipo de sociabilidade reproduzida por homens que “o fazem, mas não o sabem”, donde a aparência de uma forma social que emergiu naturalmente, tal como as anteriores, semeando nas imaginações adubadas com esterco religioso a idéia de um mecanismo ou um deus que dirige a história do alto de sua dimensão etérea e atemporal.

O marxismo vulgar reproduz tal idéia com um esquematismo que chama de “dialética”, sobre o qual elabora o chamado “etapismo”, decreto que certifica a chegada do comunismo (“próxima etapa da história”) como um evento tão absolutamente certo e necessário quanto o retorno do cara que fazia vinho com a água da cumbuca.

Imaginam os etapistas que o comunismo, a economia finalmente tornada atividade social e racional, virá pela mesma atividade de homens que “o fazem, mas não o sabem” que instaurou a degradação universal de nossos dias.

É “dialético”: do lodo nasce o lótus, e da ignorância de tais sub-marxistas nascerá o “novo homem”, tão novo quanto um australopiteco, verdadeira possibilidade de realização natural de um pós-capitalismo.

Daí que o diálogo com estes praticistas é tão producente quanto o que se pode ter com crentes, coxinhas etc. A Bíblia, Ovalo de Carlhavo e Stálin pensam por eles; o que lhes cabe é fazer panfletagem de santinho em meio ao populacho inocente.

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Marxismo para os Homers Simpson