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Quando os religiosos criticam o ateísmo como um tipo de crença, uma “religião sem deus” (e não é saudável que sempre percebam de forma negativa essas coisas de dogmas, doutrinação, superstição e religião?… ainda que apenas as dos outros, é claro), não estão simplesmente dizendo que a calvície também é um tipo de penteado.
Porque o ateísmo de direita, burguês ou pequeno-burguês, é isso mesmo. Mistureba de biologicismo e agnosticismo em torno de uma mitologia e ritualística da fé na “ciência”, mistificação da razão, prática proselitista e reafirmação de uma “natureza pecadora” da humanidade – o egoísmo, do qual não busca salvação, mas dele se envaidece e faz apologia.
Alguns crentes associam isso ao satanismo. Estão equivocados. O satanismo é, ou seria, um paganismo – mais imaginário que histórico, é vero. Mesmo assim, enquanto os pagãos glorificam a vida, o ateísmo de direita leva o nojo que o cristão alimenta diante da vida às últimas consequências e celebra o mais agudo anti-humanismo, em adoração à mão invisível de Mamon.
Satã não passa de um querubim largado ao chão diante do Deus ateu, o único verdadeiramente Universal, perante o qual todos se ajoelham e rezam o cântico ecumênico da alienação – ainda que sua Omnipresença seja bastante exclusiva, casual e por vezes temperamental, oscilante ao cintilar na particularidade dos eleitos, dentre os quais hão de emergir seu Filho e sua seleta caterva de Iscariotes.
O que não impede, mas antes providencia, a religiosidade atéia: bendito é o dinheiro, mesmo que eu não tenha nenhum; louvado é o capital, apesar de eu ser mercadoria; sagrada é a propriedade privada, a qual me priva de toda propriedade. Jesus? Tem valor sim, enquanto empreendimento.
Weber chamou o protestantismo de “espírito do capitalismo”. Ele foi bem otimista, ou outra coisa. Antes dele, Marx já havia dito que “a religião é o espírito de um mundo sem espírito”. Pois bem: o ateísmo de direita não apenas afirma a inexistência de autenticidade humana, mas ainda repele a idéia da mera possibilidade de haver qualquer uma. Não quer um mundo espirituoso e não critica o vale de lágrimas; ao contrário, dá razão a elas, por meio de uma religião sem além e contra o espírito.
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