Você não pode provar que Deus e o Minotauro não existem

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Você não pode provar que Deus não existe. E nem o Minotauro.

Mas você pode mostrar ao confiante crente que todos os atributos que “definem” o “conceito” de Deus são hipóstases (por isso, as aspas). Ou seja: se Deus é ilimitado, incondicionado, absoluto, infinito, eterno, onisciente, onipresente e onipotente, quer dizer, não possui e nem pode possuir limite, determinação, concretude ou efetividade sensível, então não possui tudo aquilo que define o que, em uma palavra, chamamos de realidade. Portanto, Deus é tão existente quanto uma idéia pode ser; mas até uma idéia possui – apesar de sua imaterialidade, seu caráter de abstração – determinações, predicados, atributos, delimitação, sem os quais não passa de mera palavra ou nome.

Deus existe! Porém, mesmo o Minotauro é mais que um nome.

 

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E mais. Deus é absoluto (onipresente, ilimitado, incondicionado, e portanto… sem atributos!). Porém, resta saber como o absoluto continuaria sendo absoluto após instaurar o âmbito do relativo (a natureza), com o qual não se confunde; portanto, a natureza é um limite diante do que não pode ter limite.

“Ser absoluto” é uma contradição em termos; e até mesmo um grão de areia serve de prova empírica da inexistência de qualquer ser absoluto.

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realidade

Post scriptum.

Eu sou ateu, mas de modo algum me satisfaço com meras afirmações, tais como “deus não existe e ponto final”. Eu afirmo isso e faço questão de demonstrar o que afirmo.

Quando um crente repete, em resposta ao desafio “prove que deus existe”, a velha patranha que diz “vc também não pode provar que deus não existe”, ele se sente magicamente justificado em sua crença absurda – pois, em sua lógica mitológica, a impossibilidade de se provar que deus não existe equivale a dizer que deus existe. Porém, isso vale igualmente para qualquer outro personagem mitológico ou da ficção, donde eu afirmar: também não se prova a inexistência do Minotauro. Portanto, se isso era pra ser um argumento, então o crente deve levar a sério a possibilidade da existência das coisas mais infantis e insignificantes.

Por outro lado, concedo ao crente que seu deus e seu papai noel existem: mas apenas enquanto palavras, o que não era bem o que ele queria entender de minha concessão. Mas o Minotauro e o papai noel são mais que palavras ou nomes, são personagens cujos atributos são pensáveis, pois têm conteúdo, e assim é que podem ser imaginados, identificados etc.: o primeiro é um homem com cabeça de touro, o outro é um velho com roupão e gorro vermelhos que vive num lugar frio pra caralho e, por isso, curte entrar em chaminés, etc.

Deus não tem nenhum conteúdo ideal. É apenas um nome, uma palavra vazia. Agora, se isso – “o absoluto”, “o eterno”, “o infinito” etc. – existe na mente humana suscetível à alucinações (necessariamente alimentadas com imagens humanas: deus é homem, tem barba, tem vontade, fala etc.), não vem ao caso aqui. O maior problema está no fato de que uma palavra cujo conteúdo é formado por outras palavras igualmente vazias – os tais “atributos” de deus – serve, entretanto, como parâmetro de práticas humanas bem reais e concretas, como o proselitismo religioso na moral, na educação, na filosofia, na ciência, na arte, na política, no direito e na guerra.

Donde a razão do ateísmo: não é combater algo que diz não existir, e sim combater a prática guiada pelo vazio mental e emocional dos desesperados.



.arte da guerra

10 comentários sobre “Você não pode provar que Deus e o Minotauro não existem

  1. “Porém, isso vale igualmente para qualquer outro personagem mitológico ou da ficção, donde eu afirmar: também não se prova a inexistência do Minotauro.”

    É uma boa resposta. Historicamente, a minha tem sido “Inversão do ônus da prova!”. Ou com um “detectada” no fim, depende.

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  2. “…uma palavra sem conteúdo nenhum além de outras palavras igualmente vazias – os tais “atributos” de deus –…”

    Um crente poderia responder-lhe que sua dificuldade em definir Deus advém da própria natureza de Deus, que é superior à nossa, e portanto indefinível por nós.

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    1. Tal como disse Sto Agostinho: “creio, porque é absurdo”. Ora, se é absurdo, que mantenha bem guardado em foro íntimo.

      Mas a argumentação aqui parte do que define a existência. E, a partir disso, tudo que um crente pensativo e falastrão pode pensar ou dizer de deus afirma imediatamente uma contradição com o que se pode pensar e dizer sobre a existência. Por exemplo, é impossível que deus não seja absoluto; mas nada que existe ou pode existir é ou pode ser absoluto. Ao dizer que deus é indefinível, disso um crente não apenas nada pode inferir sobre se deus existe ou pode existir, mas ainda afirma um puro nonsense, ou melhor, não afirma coisa alguma, apenas joga com as palavras e produz uma fala sem sentido algum.

      Que vá fazer outros ouvidos de penico, já que a brincadeira é essa.

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  3. como deus pode existir se sua definição de onipresente diverge com sua característica de infinito no tempo e espaço. nosso universo é finito, portanto sua existência não cabe em si mesma.

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  4. Mas um crente (já que você está considerando os atributos “omnes” de uma divindade, creio que seja cristão) pode muito bem obstar sua argumentação, partindo do princípio que Deus se fez homem e, portanto, passou a possuir “determinação, conteúdo concreto, limitação, etc”, deixando de ser uma idea plenamente abstrata e vazia de sentido*. Ao fazer isso, provou a sua própria existência.

    *No caso, ele nunca foi. O homem absolutizar aquilo que está muito além de sua capacidade de compreensão não implica que o referente dessa descrição seja necessariamente dessa forma. Pode muito bem ocorrer que ele sej um potência existencial de maior amplitude dentre todas as outras, mas não seja absoluta.

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    1. Prezado,

      Ótima tentativa. Mas vamos por partes.

      Ao considerar a totalidade (os “omnes”) como atributo das características de deus, não o faço por ser cristão, e nem me refiro somente ao deus cristão. Estou tratando da idéia mais consequente ou desenvolvida de deus, aquela que se livrou ao máximo de seus aspectos antropomórficos, preservando apenas os que permitem ser definido ainda como um deus e não uma coisa a mais da natureza ou um objeto qualquer; portanto, as que o caracterizam como ser ativo, ou seja, um sujeito.

      Uma “potência existencial de maior amplitude dentre todas as outras, mas não seja absoluta” é ainda condicionada, relativa, limitada, tal como a natureza é. Portanto, se for pra pensar assim, melhor passar Ockham em deus e assumir o materialismo.

      Além disso, o deus cristão não deixa de possuir tais “omni-atributos” por supostamente ter se manifestado como um outro-de-si-enquanto-si ou um deus-enquanto-não-deus, ainda que o “filho de deus” ou o “deus-filho” fosse algo mais que um homem e caminhasse sobre as águas etc.

      Quando foi dito que deus se fez assim, ele não provou coisa nenhuma (muito menos a sua própria existência), e aqueles que afirmaram isso também não.

      Permanece, desde sempre, uma idéia abstrata e vazia de sentido.

      Quanto ao homem elucubrador de idéias vazias, não absolutiza “aquilo que está muito além de sua capacidade de compreensão”. Ele apenas inflaciona idéias compreensíveis rumo à dissolução das próprias idéias, ou seja, cria a noção ou nome de “absoluto” para as idéias que liquefez e tornou incompreensíveis – incompreensíveis quando, apesar disso, ainda acredita se tratar de idéias, e ainda mais ao acreditar que possuam um referente.

      Grato por sua participação. Abraços.

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      1. Grato pela atenção, Erik. Gostaria de fazer apenas algumas considerações:

        Primeiro parágrafo: Ok, só fiz menção ao cristianismo porque é a doutrina mais próximo de nós, ocidentais. Com relação aos “atributos-omini” garantirem a mais alta definição de Deus e conferir-lhe o status de sujeito, de “ser que age”, gostaria de desenvolver mais no próximo parágrafo.

        Segundo parágrafo: Ainda é condicionada, limitada, relativa, porém num grau de complexidade muito maior que outras legalidades da natureza. Por exemplo, a legalidade do ser social é muito mais complexa que a do ser orgânico e esta, por sua vez, muito mais do que a do ser inorgânico/mineral. Não é porque essas duas últimas legalidades são “condicionadas” que deixam de ter suas especificidades qualitativas. Deus pode ser um sujeito ativo sem os “atributos-omini” (Ou não?).

        Terceiro, quarto e quinto parágrafo: Ele permanece enquanto ente abstrato/metafísico, mas não como vazio de sentido. A ideia que fazem dele é realmente abstrata e vazia de sentido e é exatamente isso que você está atacando no seu texto. Afinal de contas, é incongruente que um ser plenamente absoluto, infinito, onipotente, etc, seja capaz de se apresentar fenomenicamente numa realidade que é o seu exato oposto: limitada, condicionada, relativa, etc.

        Sexto parágrafo: Sim, perfeitamente!

        Não quero causar balbúrdia no seu blog (que acompanho faz um tempo), mas tenho essa curiosidade quanto a esses questionamentos, que um crente pode muito bem fazê-lo.

        Mais uma vez, grato pela atenção

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